Friday, December 16, 2005

BACK TO THE CLOSETS


Dizem que a melhor maneira de educar a alma é extrair ou trazer à luz aquilo que nos está latente, ou seja tornar visível aquilo que está oculto como uma semente.

HOMOFOBIA e o 7°Festival de Cinema GAY E LÈSBICO de Lisboa - De volta para os Armários

Com a ascensão dos governos de direita no mundo ocidental e sobretudo na Europa, temos sido confrontados com uma constante luta para sufocar as conquistas pelos direitos de igualdade e liberdade adquiridas nos últimos anos.

Portugal infelizmente não é uma excepção e a lufada de ar fresco em um universo dúbio e cinzento que gozávamos desde a segunda metade dos anos 90 encontra-se seriamente ameaçada.

Em 2003, ainda como director do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, um Festival que tem vindo a realizar-se todos os anos desde 1997, constatei e ainda constato a involução nas mentalidades e o cenário propício para toda a sorte de situações homofóbicas, inclusive no seio da própria comunidade LGBT.

Desde sua criação o Festival contou com o apoio de diversas instituições oficiais, portuguesas e estrangeiras, bem como de entidades privadas. Tem tido um bom acolhimento junto do público e goza de um inegável prestígio internacional, quer junto de entidades congéneres quer junto de órgãos de imprensa internacional, que a ele têm dedicado artigos elogiosos. O Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa é ainda hoje reconhecido como o principal acontecimento Gay que ocorre em Portugal.

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) foi no passado, o seu principal patrocinador, a diversos níveis, sendo os valores atribuídos anualmente pela CML a este Festival superiores ao conjunto de todos os outros apoios.
No entanto, a CML tem, desde o ano 2002, uma nova Vereação da Cultura, resultante das eleições autárquicas de 2001, À sua frente a Dra. Maria Manuel Pinto Barbosa.

Se no ano de 2002 ainda concedeu a este Festival alguns subsídios (resultantes de compromissos anteriores), ainda que bastante reduzidos, em 2003, ficou confirmado o corte total de apoio a este Festival, situação mantida em 2004 e apenas levemente atenuada em 2005.A justificação da falta de verbas por parte da CML camufla a realidade homofóbica do desejo de suprimir as palavras “Gay e Lésbico” do nome deste Festival, que preferiria ver designado como “Festival das Diversidades”. Acrescenta-se ainda outro facto ocorrido em Junho de 2003 onde esta mesma administração camarária retirou o Arraial Pride (assim festejamos o 28 de Junho) de dentro da cidade relegando-o a uma longínqua periferia. À semelhança da retórica da tolerância, a retórica da diversidade serve demasiadas vezes para propiciar a ocultação e o silenciamento das componentes mais excluídas e menos visíveis dessa genérica “diversidade”.

Desde sempre que o Festival tem mostrado filmes sobre toda a espécie de questões sociais, e não somente de temática gay e lésbica; mas as diversidades abordadas têm a ver com formas de exclusão e com uma pedagogia da liberdade aplicável aos campos da sexualidade, género, família e afectos. O que nós nunca esquecemos é que a diversidade é feita de especificidades – e só existe na medida em que estas existirem...
Situações semelhantes (a morte de um Festival de Cinema subordinado à temática Gay e Lésbica) só têm até agora ocorrido em países não democráticos ou do terceiro mundo, casos como a China, Filipinas e Indonésia. Esta situação é contrária àquela que se verifica no mundo democrático, onde o respeito e integração de todas as minorias são prioritários. Nestes países, aquilo que tem sucedido é não só o desenvolvimento dos Festivais de Cinema congéneres como também o aparecimento de vários em cada país.
Este cenário não é mais afinal que o reconhecimento de que o pluralismo cultural, o respeito pelo direito à diferença e a forma como as minorias são tratadas constitui o verdadeiro aferidor do grau de democracia e desenvolvimento.

Esteve e ainda está em curso uma reacção aos progressos conseguidos na afirmação da identidade LGBT. Ela é feita sob a máscara de um falso liberalismo, promovendo a ideia de que @s LGBT podem ser e fazer o que quiserem, desde que não o demonstrem. Em suma: desde que não existam na sociedade, no espaço público, nos media. Por vezes, esta atitude ganha tons populistas, em que justamente os grupos minoritários são transformados em bodes expiatórios. No caso português, sobrevem a atitude gelatinosa de não agitar as águas, de deixar a “normalidade” seguir o seu curso, de aceitar a homofobia implícita às nossas “tradições”, instituições e relações sociais.

Mesmo em sectores mais abertos e progressistas, esta atitude reproduz-se. Assume, todavia, um sinal contrário. Afirma-se, nesses meios, que tudo o que seja promover guetos é errado e contraproducente para as reivindicações d@s LGBT. Que não deve haver “literatura gay”, nem “cinema gay” – nem, portanto, festivais específicos. Este raciocínio é manco, porque se baseia na ilusão da existência de igualdade e simetria entre o mundo heteronormativo e a realidade LGBT. A grande diferença é que, ao contrário da maioria heterossexual, @s LGBT crescem e formam-se na ausência de modelos positivos na vida quotidiana, nos media, e nos próprios currículos escolares (em que a educação sexual é ainda inexistente). Mais: o processo de crescimento e de formação de pessoas LGBT exige a superação da homofobia que lhes é, essa sim, cuidadosamente ensinada. E se o cenário ideal seria que @s LGBT estivessem completamente integrad@s socialmente, bem como a nível das representações, a realidade é que estamos muito longe desse cenário.

Um Festival de Cinema Gay e Lésbico é, assim, um dos poucos espaços de combate à homofobia. E na sua 7ª edição correu o sério risco de se transformar na última, podemos dizer que, de certo modo, o Festival sempre esteve em risco. Todas as iniciativas LGBT estão sempre em risco, pela natureza libertadora das suas propostas. E pela dependência – flagrante no caso português – de poderes públicos que subsidiam de forma errática, em vez de promoverem uma visão inclusiva da realidade que se traduza numa política sustentada que incorpora necessariamente a agenda LGBT. Não deixa de ser significativo que os apoios não públicos venham de entidades culturais ou privadas sediadas em países mais desenvolvidos, que não Portugal.

No futuro e dado que os poderes públicos não cumprem a sua obrigação, este festival só sobreviverá com o apoio da sociedade local, de um mecenato esclarecido e, obviamente, de uma comunidade LGBT mais mobilizada e consciente.

Entretanto, de forma alguma podemos aceitar uma situação que nos é imposta com base em preconceitos políticos homofóbicos, sendo para mais inegável a qualidade deste certame. Podemos adiantar, nomeadamente, que foi com este Festival que nomes como François Ozon, Werner Schroeter, Tsai Ming Liang, Rose Troche, Monica Treut, Baltasar Kormakur, Bruce LaBruce, entre muitos outros, chegaram a Portugal, ou tiveram no nosso país a divulgação que merecem, colocando Lisboa e por conseguinte Portugal na rota dos países democráticos e abertos à diversidade.

Por todas estas razões, ao contrário de um Festival padronizado onde os filmes são projectados apenas na sala principal, a 7ª edição foi concebida como uma grande exposição retrospectiva da nossa história onde foram mostrados a maioria os filmes apresentados nas edições anteriores em pequenos aparelhos de televisão esquecidos dentro de armários distribuídos pelo espaço do cinema. O “armário” como a metáfora para a auto-repressão a que os LGBT se sujeitam para evitarem as consequências do preconceito. A vida “no armário” é uma vida feita de silêncio e mentira – bem como do inevitável medo de que a verdade seja descoberta –, que incorpora assim a própria homofobia na tentativa permanente de assegurar a invisibilidade. Houve assim, um total de 16 armários temáticos (armário Gay, armário Lésbico, armário Transgender, armário HIV Positivo, etc), armários de todos os tipos e feitios, armários limpos e sujos, pobres e ricos, cheirando a guardado, à naftalina, cheirando a desejo, mau e bem comportados ou então muito porcos, armários fragilizados, armários pretensiosos, enfim, armários concebidos por um colectivo de artistas: 15 instalações, 15 conceitos, 15 metáforas.

Era à partida uma luta desigual. Assim, restou-nos a criatividade e a coragem de sermos o que somos sem a vergonha que nos querem imputar. Paradoxalmente, com os armários à vista, tornamos mais visível a nossa (e a vossa) invisibilidade.

A sétima edição do Festival de Cinema GAY E LÈSBICO de Lisboa aconteceu entre os dias 12 e 27 de Setembro de 2003.

Celso Junior

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