Thursday, September 15, 2005

9° Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa


Estando em Berlim, no passado mês de Fevereiro, a assistir ao Festival de Cinema tive o meu momento de epifania, não nas salas de cinema, mas na solidão do meu quarto de hotel, quando, ao ligar a Televisão, por acaso, fui confrontado com a notícia de uma polémica acesa vivida nos EUA, quanto à continuidade, ou não, da emissão dos desenhos animados do Sponge Bob Squarepants. Estaria em causa a falta de uma sexualidade definida e mesmo a androginia desta personagem, que ainda não é conhecida em Portugal. Como é apanágio de toda a direita conservadora e, curiosamente, hoje em dia também da apelidada de neo-liberal, especialmente a americana, que prima, quer pelo facilitismo, quer pelo seu fanatismo, não há qualquer reflexão que ligue o estrondoso sucesso obtido por este desenho animado em todo o continente americano e em alguns países da Europa e a sua modernidade e contemporaneidade, bem como à sua ligação com o que se pensa vir a ser o mundo de amanhã, um mundo em que todos os estereótipos são progressivamente esbatidos, como já se pode constatar actualmente.

A constante recusa, por um lado, em encarar os factos da vida com um mínimo de lucidez e, por outro, na preferência pela táctica da avestruz com a atitude de, ou “fingir que não se vê”, ou, pior ainda, proibir que “se veja” não é mais que uma tentativa absurda de proteger crianças do chamado “efeito nefasto desta criatura” ímpar que nada mais faz do que tentar ser feliz, questionando-se constantemente, sem esconder a sua humanidade, sobretudo no que diz respeito às suas fragilidades.

À semelhança das conversas e das cerejas (o fruto que tal como as revoluções dura pouco), um facto puxa outro, uma lembrança, outra e uma história relatada: Neste momento em todo o mundo ocidental, onde até agora temos conseguido marcar pontos na luta pelo direito de igualdade, independentemente da nossa orientação sexual, têm-se sucedido casos, alguns isolados, outros não, que têm-me feito sentir calafrios, por achar que podem ser maus presságios, como se, em muito breve, a História, naquilo que a História da Humanidade tem de pior, pudesse repetir-se, especialmente num dos seus momentos mais negros relativos à comunidade glbt: o Holocausto Nazi.

A passagem de 60 anos sobre a libertação de Auschwitz, apesar de já nos conferir suficiente distância para uma História mais isenta e objectiva, não nos conferiu até agora, à semelhança do que aconteceu a outros grupos especificamente perseguidos pela máquina de terror Nazi, aquilo que mais importante seria: Reconhecimento. Sem reconhecimento, ou como José Gil refere no seu “Portugal Hoje”, “inscrição” todos os males de mundo continuam a poder, livremente e, em alguns casos, encorajados mesmo, a abater-se sobre os glbt.

É desta forma que observo Muçulmanos radicais fazerem “esperas” e esfaquearem gays à saída dos clubes em Amesterdão, ou vejo leis que proíbem imagens eróticas na Internet nos EUA (onde pára a liberdade?), ou, ainda, ataques, com o beneplácito das forças policiais locais, a gays em Viseu. Preocupo-me, especialmente, com a homofobia disfarçada de crise económica, a mesma que fecha galerias glbt na Noruega (um país rico ao que consta), ou editoras em toda América. Choca-me os cristãos que rezam por nós e por todos os nossos pecados ao mesmo tempo em que marchamos durante o Gay Pride Nacional Suíço e aqui mesmo, na nossa amada Lisboa, temos como exemplo a atitude homofoba da CML (reduzindo progressivamente todos os apoios ao Festival, alegando crises financeiras e, simultaneamente, criando outros certames…) e de outras instituições oficiais, não só com este Festival como com toda a comunidade glbt, atacando de forma directa o que acredito ser a base desta e de qualquer comunidade: A Cultura.

Privar uma comunidade de Cultura e Educação é um dos mais eficazes meios para neutralizá-la. Deslocar o GAY PRIDE para o Parque do Calhau por exemplo é esconder na periferia de um parque na periferia da cidade aquilo de que a equipa gestora da cidade se envergonha de ver no coração da cidade. Um GAY PRIDE é uma festa que tem de ser vivida no centro das cidades e não nas cercanias, o GAY PRIDE é uma festa em que se comemora não o orgulho, como soberba, mas “tão só” a não vergonha de se ser o que se é.

A tentativa de mudar, ou melhor obliterar o nome deste Festival (lá está a tentativa de não inscrição) no passado pela actual vereadora da Cultura, a Senhora Dra. Maria Manuel Pinto Barbosa, é um crime contra a nossa identidade e um acto às claras que revela uma homofobia dissimulada e envergonhada. A nossa recusa em ceder a esta chantagem custou-nos a perda total, ou quase isso, dos apoios camarários.

Magoa-me, pois, observar o retrocesso que a comunidade glbt portuguesa sofreu nestes últimos quatro anos. Constatar quantos e quantas voltaram a refugiar-se nos armários e na “sujeira” das suas próprias cabeças, onde a homossexualidade ainda está associada a algo torpe que como tal deve, a todo o custo, ser escondido. Sofro ao ver uma comunidade com uma auto-estima tão baixa, ao ponto de ser quase inexistente, que se deixa vilipendiar desta maneira ignóbil, custa-me igualmente, verificar aquilo que os Psicólogos chamam “homofobia internalizada”, ou seja, glbts com tão baixa auto-estima que são eles próprios a tentar destruir o trabalho das poucas Associações credíveis, ou os outros e outras temendo que a visibilidade destas mesmas Associações signifique a menor visibilidade dos seus magros ou nulos contributos. A HOMOFOBIA, na minha opinião ela começa, infelizmente, dentro da própria comunidade glbt. A única maneira de vencer este estigma é através da Educação e este tem sido nosso papel, motivação e objectivo.

Educação, Civilidade/Civismo e Cultura são mais do que palavras para mim, são a minha “fé” pessoal num mundo melhor, onde se possa perseguir livremente a felicidade pessoal. Este Festival e todo o seu, já considerável acervo, é um valor que pertence a Lisboa (e não só) e o meu maior desejo, enquanto tal, é que Lisboa, por um lado, o saiba conservar e, por outro, merecê-lo.

Este é o meu primeiro afastado da direcção do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa e, como seu criador e fundador, sinto-me grato e feliz pelo percurso destes nove anos e na nova equipa que dará continuidade a este projecto deposito toda a minha confiança e agradecimento, em especial, ao novo Director, João Ferreira e ao Presidente da Associação Cultural Janela Indiscreta, Albino Cunha.

Tenho a sensação de missão cumprida. O “sangue” foi renovado, a inscrição, acredito, foi feita e agora posso retornar ao meu individualismo, onde acredito poder continuar a lutar ainda com mais força e perseverança por todos estes ideais em que teimo continuar a acreditar.

O Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa está aí e para continuar...
Divirtam-se!

Celso JuniorArtista Plástico e Fundador do FCGLL

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