MY PLACE: My Neighbour
Sobre os nossos vizinhos...
Sou uma pessoa de imagens e escrever não é um de meus hábitos, mesmo um cartão postal que tenha que enviar é uma difícil tarefa, assim sendo, confesso que me irritei ao ser confrontado, um dia, com a penosa tarefa de dissertar sobre os meus vizinhos. Pensei comigo, com que raios alguém vai escrever sobre os seus vizinhos, gente que a gente quase não conhece, gente que não importa!
Então, num repente, percebo meu limite e a oportunidade que me é dada de expressar e falar sobre uma das coisas que mais amo e paradoxalmente detesto nesta vida: O OUTRO.
Não posso assim dar-me o luxo de esquecer da D. Manuela, minha vizinha meio maluca que vive mesmo ao lado, cega de um olho e maltratada pela vida, que canta o fado e bate palmas na janela quando exagera no vinho, que decora as escada com bonecas e flores de plástico, que deixa frequentemente um pacote de arroz ou açucar e um litro de óleo à minha porta por que acha que devo me alimentar melhor...
Ou ainda a D. Águeda (fotos), que muitas vezes me chama de “OH mãe!”, reclama se faço, ou se não faço, barulho ao subir as escadas, insiste em mostrar seus brinquedos e santinhos e fica feliz da vida quando eu peço para fotografá-la ou a sua casa, um verdadeiro Templo do Kitsch, de fazer inveja a muito “artista instalador” que anda por aí. A casa é brilhante!
Vale a pena contar o episódio, como sempre ao subir as escadas, ela me aparece à sua porta, radiante e com um nariz de palhaço que havia ganhado no Centro de Dia e desde cedo, segundo ela mesma, não o havia tirado...elouqueci!
A vida realmente é generosa comigo e por mais bizarro que possa parecer, não vejo aqui o ridículo e a situação não é de gozo, mas de suprema beleza e humanidade.
Assim é...
Este meu vizinho, quer de porta, de cidade ou país que merece e necessita todo o meu olhar, independentemente das paixões que aflorem, pois foi neste OUTRO, neste meu vizinho, que encontrei a razão de meu percurso, a inspiração e a matéria prima de todo o meu trabalho. Merece um olhar que vá para além da retórica da tolerância ou da visão apaixonada de sua diversidade. Um olhar lúcido que não propicie a ocultação e o silenciamento das componentes mais excluídas e menos visíveis. Um olhar que toque directamente na alma, seja na do observador ou do observado, extraindo assim e trazendo à luz aquilo que NOS está em estado de potência, ou seja, torne visível aquilo que está latente como uma semente.
Apesar das semelhanças todo ser é único e na minha eterna paixão pela diferença não posso esquecer que a diversidade é feita de especificidades – e só existe na medida em que estas existirem... Este cenário do meu vizinho não é mais afinal que o reconhecimento do pluralismo humano, do respeito pelo direito à diferença e pela sua beleza implícita.
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